Crítica de Paulo Klein, Exposição Sé-Paulista (SP)

Nosso mundo Sustentável

“Além de conviver com algumas dos piores solos do Brasil intertropical, a vegetação dos cerrados conseguiu a façanha ecológica de resistir às queimadas, renascendo das próprias cinzas, como uma espécie de fênix dos ecossistemas brasileiros. Não resistem, porém, aos violentos artifícios tecnológicos inventados pelos homens civilizados”.

Aziz Ab’Saber

Minas é mais que um Estado brasileiro. Minas é um estado de espírito. Nas ondulações de suas montanhas, nas ruínas escavadas rumo ao seio da terra, a vida tem outra cor, outros sabores, outros aromas.

Horizontes, Horizontes, Horizontes. Bem além dos roteiros, roteiros, roteiros, horizontes! Belos horizontes. Minas é como Paris, Texas, Roma. Não tem tradução, apesar da sempre citada tradição mineira.

Talvez a melhor tradução para Minas seja a sua Arte. Dos babados de Aleijadinho aos recordes secos de Amilcar de Castro; de Mestre Ataíde à Guignard, Marcos Benjamin e Paulo Laender.
Ficando no bom bocado. Nas Artes Visuais e Cênicas, assim como na Literatura e na Música há que se tirar o chapéu para Minas.

Afinal é de Minas que surgem – de tempos em tempos – surpresas agradáveis, ventos novos para a vida cultural e artística dos Brazis. Uma das mais recentes é esta arteira de Uberlândia, repleta de luz e arte, Vânia Vilela. Ela tem aparecido com freqüência na capital paulista nos últimos três ou quatros anos para trazer seu entusiasmo e uma arte muito mineira, tão mineira que vai ficando universal. Ela impressiona desde o início, com sua sábia simplicidade mineira, no trato e na arte. E, como mineira ela foi, muito mansamente, conquistando campos e espaços. Avenidas.

Ex-aluna da Faculdade de Belas Artes da Fundação Mineira de Arte, em Belo Horizonte, depois de estudar em Ohio, Estados Unidos, chamou-me logo a atenção a tranqüilidade com que ela mesclava suas atividades de designer e artista plástica. Competência e mãos à obra.
Para criar uma obra prima muita tinta e muita enzima.

Seus objetos (que hoje incluem peças de mobiliário que podem ser vistas na Internet) tinham uma impregnação, em parte lúdica, em parte mistérios. Em peças de uma poética rusticidade, que remetem aos mundos vividos de mentirinha pelo poeta Manoel de Barros, eu vi paredes azinhavradas pelo tempo, caminhos dde lesmas luminescentes, pedaços secos porém cheios de orgulho da atmosfera do cerrado mineiro.

Depois de experimentar as possibilidas escultórias em sua produção, Vânia Vilela prossegue refletindo aspectos de sua região, o cerrado brasileiro.

Com grande competência, técnica no domínio dos materiais, estética no âmbito da pesquisa conseqüente e na construção dos universos míticos ou imaginários, ela se equipara – sei que é ousadia dizer – à pertinente qualidade de Amilcar de Castro. Consigo pensar nos cortes e dobras, não as torções e tenções, de seus “quadrados sustenidos” e mesmo nos jogos de cores que os contrastes de materiais de ferro, aço e madeiras especiais promovem numa bela junção de intencionalidade e Poética. Presença em ambos os casos. No início deste processo Vânia desenvolveu um alfabeto estilizado dos aspectos biomáticos da região de Cerrados. Suas peças já interpretavam as texturas e cores deste mundo particular que atinge vários estados brasileiros.

Com as texturas e pigmentos dos avanços em seus exercícios que transmutaram em arte certos elementos e organismos naturais. Era um quase achado, não trem de Minas, mas chão de minas. Na evolução da obra, desde os primeiros passos, o que se observou foi uma atualidade e pertinente conjugação de materiais, sempre finalizados por equilibrada elegância, já presente. Geralmente no projeto desenhado, Paleta de cores especiais, paleta do Cerrado, tons terrosos, ferruginosos, ela não recria apenas ccercas e cercaras, como reinventa a flora e a fauna da região.
É o momento atual desta artista bastante especial que podemos apreciar e partilhar nesta mostra que começa em São Paulo para itinerar por várias cidades brasileiras.

Para enfrentar o desafio de ocupar, inicialmente a Praça da Sé e a Avenida Paulista, Vânia Vilela optou por saltar seus bichos na cidade grande. Ao ar livre, suas esculturas transformaram-se em presenças lúdicas, alegrias das crianças e dos adultos numa bem sucedida alcagem que faz lembrar Niki St. Phale, além de Amilcar de Castro. A partir de cortes secos de projetos desenhados com previsão de matérias a artista vai criando seu hestiário, mescla de Cecília Meireles e Guimarães Rosa, Murilo Rubião e Julio Cortazar, Wagner Tiso e Pato Fú. Mais orquestrações pós-coloniais. Com sua devoção afetiva, Vânia Vilela deglute as espécies todas, raras ou em extinção, ou ainda aquelas que tem garantindo a existência das demais. Para devolver-las recicladas, com alma pedindo para que fiquemos atentos tanto à arte quanto a natureza.

Jurássico em alguns casos, geômetras excêntricos, retas, curvas, longilíneas, conexos e isósceles. Ítalo Calvino adoraria dar nome a estes bichos!

Dessa maneira, com bigoma e martelo, serra e cinzel recria a fauna (quase) perdida do cerrado e de todos os contos da terra. Animais simpáticos, intrigantes, desafiadores do nosso senso, eles habitarão dois pólos, no caso da cidade de São Paulo e área de grande circulação de passantes, estarão os animais supostamente pré – históricos e na Avenida Paulista, recanto dos bichos mais divertidos, quase “performáticos”, como sugere a artista.

Numa proposta de interação com o público, ou propondo essa interação com sua arte, a artista criou os bichos sem nomes, para que os passantes criem e procriem. E nesse sentido os “bichos” de Vânia Vilela tem tudo a haver com “bichos” da Lígia Clark.

Cheguei até a exercitar alguns nomes para ele: Pixtrix, Ferrugíndio, Matodonde, Triplixdátiro e Leguminósio para os jurássicos. E, Silvestrino, Tartagora, Macraco, Sepote, Elefixo e Chipanzebra para os performáticos.

Não era bem isso mas ficou sendo, tudo por conta do jogo, do brinquedo, da farra do talento e bom gosto que a artista generosamente oferece. Faz-nos lembrar a máxima de Breton, que enfatizava o necessário em prioridade ao simplesmente belo. Sem utopias modernetes, Vânia Vilela – em sua aproximação com o homem da rua, que caminha pelas avenidas – pressupõe um mundo – mais que sustenido – sustentável, onde a própria intervenção de cada um possa melhorar as coisas e garantir uma vida melhor para todos.


Paulo Klein
Crítico de Arte
APCA/ABCA/AICA
 

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